Friday, April 21, 2006

Ponta do Ouro - colonato Boer em Moçambique

Mais um fim de semana! Destino? Ponta do Ouro – extremo sul de Moçambique. A viagem demora mais de três horas, quase duas em areia solta só para 4x4. Entre cabeçadas no tecto e protestos de quem vai na chapa lá chegamos. A casa onde vamos ficar é indescritível… em madeira, construída na praia e equipada com os mínimos: mega sistema de som, mega frigorífico, bons quartos, bons sofás, etc. A casa não é profissional de aluguer. É de um sul-africano que aluga a amigos. “it appears you know someone who knows someone who knows the owner…” “ok… 2300 rand for the weekend” diz-me uma Sul Africana que trabalha no café del mar – ponta do ouro e tem as chaves da casa.



Deslumbrados com a casa e com a praia lá entramos de cabeça para o Indico e cedo nos apercebemos que naquela zona o mar não é para brincadeiras. Ou se está muito à vontade na água ou é melhor não passar da água pela cintura… há correntes em vários sentidos. As ondas, fortes como as do centro/norte de Portugal quase me arrancam os calções duas vezes. Quando sinto que estou a ser arrastado por uma corrente, mergulho e nado junto ao fundo para descobrir outra completamente diferente em sentido, mas igual ou pior em intensidade. A condição de não escorregamento – teoria de Mecânica dos Fluidos aqui nada vale. Enfim… um local onde é preciso ler o mar e nunca perder a calma nem esgotar as forças contra correntes impossíveis.
Depois do oxigenante banho e de uma sesta daquelas que sabe pela vida arrancamos a pé pela praia para ver um pouco do resto.
Tinha-vos dito que a Ponta do Ouro é em Moçambique certo?
Errado… a Ponta é um colonato Bóer (sul-africano). Só há sul africanos… os preços estão em Rands, e até a língua usada (mesmo pelos empregados moçambicanos) é aquele inglês característico (leia-se terrível) que se fala cá para baixo. Incrível… barcos, motos de água, kite surfers, bmw X5, belas motos (trail claro). Muito nível… Boa qualidade de vida (financeira e não só) se respira por aqui.
Este é daqueles sitos que nos faz pensar na vida e na correria e stress com que a levamos.


Como o Gonçalo Cadilhe gosto do sal marinho no corpo e assim passo o fim-de-semana só com banhos de mar! O pior é o cabelo… palha-de-aço! Só me hei de passar por água doce no domingo antes de arrancar para Maputo e apenas por uma questão social… toda a gente a tomar banho... parece mal!
GOOOOOOD MORNING PONTA DO OURO!!! 8 horas de sono fazem-nos renascer (quais Fénix) e lá arrancamos em missão exploratória. Descobrimos uma zona da praia cheia de pequenas piscinas no meio de coral, água transparente… enfim… vou ficar por aqui… não me sinto capaz de fielmente descrever o local.

Começa a chegar a hora de ir embora… custa… ainda não saímos e já estamos com vontade de cá voltar. A casa tem um livro onde quem por lá passa pode deixar umas linhas. Pouca gente… Estamos em Março e somos os primeiros de 2006. O que escrever? Sento-me com o livro na mão e olho em redor. Rapidamente sei o que sinto e com aquele sorriso de gato escrevo simplesmente: “Lucky us!”

Como o caminho foi duro e a confiança na bakkie japonesa (bakkie é o que chamam cá às pick-up) é perto de zero faço uma pequena inspecção. Óleo e água ok! Gasóleo ok! Fugas? Nada de especial! Pneus… ooopppsss… 3 ok, 1 ko… prego… parece que o furo é lento e decido encher bem antes de sair e esperar que chegue a Boane (local a uns cento e picos km onde vamos apanhar o alcatrão). Lá haverá bombas onde encher novamente e assim há de chegar ao Maputo.
Mais um bocado de dolce faire niente, mais um prego – desta feita no pão, para forrar o estômago – e lá arrancamos. Levamos quatro passageiros extra e nem imaginamos como vão ser úteis…
Com a chegada das primeiras areias ficamos atascados… raios… a curva em subida nem parecia assim tão difícil. Deve ser do peso penso. Aliviada a carga tento novamente e nada. Aí reparo que nas rodas da frente, tracção nada. Mais bolos… ok: cubos? Lock! Caixa de transferências? 4L! Estranho… partiu… se calhar não é assim tão estranho como isso… 270mil km e pouca manutenção… Solução: Meter o pessoal a empurrar, Diff lock traseiro ligado, leitura cuidadosa do terreno de modo a poder aproveitar o momento do cangalho e tudo há de correr bem.
E correu! Ninguém imagina a temperatura a que deve ter chegado aquele eixo traseiro, constantemente a plissar em esforço pelas tórridas areias. Eu faço uma ideia, mas não digo nada a ninguém…
Se o Shlesser faz o Dakar só com tracção atrás por que raio é que não havíamos nós de conseguir regressar a Maputo?
Passámos por uma outra bakkie que se arrastava a palmo pelas areias. A cena era linda: condutor ao volante, umas dez pessoas na chapa como se nada fosse e um desgraçado num esforço surreal a empurrar.

Mais mortos que vivos e depois de 4 horas de porrada no lombo alguém pergunta: “se te dissessem que se voltasses agora para a ponta podias lá ficar uma semana, voltavas?” resposta unânime… SIM!

Segunda-feira, sete da manhã. Volto ao batente fazendo-me à estrada. São 20 km até ao Zimpeto que é onde fica o estaleiro da MozEquipments. Em contraste com o fim-de-semana, o dia amanhece cinzento e também eu estou meio cinzento e com pouca paciência para esta selva… o trânsito é o caos. Das duas faixas fazem-se cinco, ou seis, já nem consigo ter a noção de faixa de rodagem. Sou ultrapassado pela direita, pela esquerda, como fumo, muito fumo (e aqui ainda de usa gasolina super…) passo buracos, altos, crianças a correr, animais, “chapeiros” (que é tipo “fogareiros” em Lisboa), machibombos pré-históricos em estados e com cargas indizíveis e cabritos em equilibrio em cima delas, vendedores de tudo e mais um par de botas… ahhhhh… eu que não tinha pachorra para trânsito em Lisboa tenho de vir gramar com quarenta minutos de massacre todos os dias… safa… é castigo. E a minha bela, jovem, potente e segura Honda CBF600 na garagem…
O que vale é que se vê sempre algo que faz soltar uma gargalhada! Desta vez era um artista, na berma, a pseudo-soldar uma lança de um daqueles carrinhos de transportar cargas à mão (uns que têm uma zona de carga plana, duas rodas de bicicleta e uma lança com pega para o condutor). Uma fogueira no chão, a zona a reparar por cima e o resto só a cabeça dele saberá pois eu já não tive tempo para apreciar mais nada.

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