Estou há 45 minutos sentado numa esplanada de um shopping numa cidade sul africana. Observo. Apenas observo o passar das pessoas.
Passa uma família branca. Uma criança de uns 10 anos, feliz, salta pelo corredor fora. Tudo normal, não fosse o facto de estarmos em pleno Inverno austral a 600m de altitude e de ela ir descalça! Com esta imagem os meus pensamentos voam para a minha ideia dos sul africanos brancos... selvagens e espalhafatosos ou desinibidos e apaixonados? Livres ou oprimidos? Racistas ou será que nem por isso?
Rótulos à parte, eu vejo duas linhas no estereotipo do sul africano branco. São uma mistura curiosa. Claramente europeus na maneira como encaram os negócios, “we will make a plan” “we will grow this business no matter what!”, claramente british no modo como só se divertem quando se enfrascam forte e feio ao longo do fim de semana inteiro e claramente africanos pela forte ligação que sentem à terra! São os maiores fãs de campismo que conheci até à data e andam sempre descalços!
Em geral empreendedores e bem formados, surgem depois as variações, as tais das duas linhas do estereotipo. Uns gerem negócios flexíveis, viajam frequentemente por todo o país e mundo. Acreditam no Arco Íris e sentem-se estimulados pelos desafios que vivem. Muitos saíram cedo de casa e já passaram alguns anos pelo mundo a fazer um pouco de tudo! Outros, vivem aterrorizados pelo black empowerment, irados com o novo “pseudo-apartheid-comportamental-e-de-oportunidades”. Fazem a vida entre os condomínios “electrial-fences-armed-response-keep out-prossecuters-will-be-shot” e os shoppings. Pensam emigrar a curto médio prazo (foi o que já fez 25% da população branca nos últimos anos...)! Optimo, façam-no! Vão!
Tendo em consideração as voltas que o país tem dado nos últimos tempos... os desafios sociais, económicos e políticos em que vivem, que tudo é muito fresco, recente e que coisas assim não mudam de um dia para o outro, nem estão mal. O apartheid deixou muito ódio. Não fosse o grande Mandela apelar ao perdão como forma definitiva de liberdade e seguramente que ainda hoje as represálias seriam mais violentas. Para nós – resto do mundo – o apartheid parece longínquo, inverosímil, medieval... mas a realidade é outra. Mesmo os jovens ainda se lembram desse execrável regime. Ainda o viveram.
O país ajusta-se diariamente em condições de dinâmica ainda não estacionária. Essa reverberação sente-se... ainda.
Agora, apesar das (para mim) controversas e discutíveis medidas do black empowerment, facto é que estou aqui, a olhar para uma janela, uma amostra da sociedade deste país. Clientes do shopping brancos e pretos passam em frente dos meus olhos sem aparentes diferenças económicas. Nas lojas, nos bancos, restaurantes, oficinas,..., brancos e pretos trabalham lado a lado, etc. Óptimo! (pode parecer obvio que assim seja ao leitor europeu que desconhece este mundo, mas de facto, aqui, ainda recentemente não era assim...)
De repente: BUM! Mas?... Não pode ser... em vez de focar no individuo foco os grupos que passam. Parecem ser só brancos com brancos e pretos com pretos... durante 15 minutos perscruto o fluxo humano e efectivamente começo a desanimar... brancos com brancos, pretos com pretos... rrr...
Finalmente três miúdas passam alegremente cheias de sacos de compras. Uma branca, uma preta e uma indiana! Falam, riem, tudo normal! Curiosamente falam português. Mais 10 minutos passam sem que esta sociedade se mostre assim tão arco-íris como se quer mostrar ao mundo. Finalmente um casal de namorados, uns minutos depois, três amigos, depois uma tiâzorra toda british passa com um senhor de meia idade, traje formal e... africano! Afinal foi só susto! A rainbow nation está mesmo a começar a sê-lo! É uma questão de tempo, estou seguro disso!
Hamba South Afrika! Simunye! *
*Força África do Sul! Estamos juntos!
3 comments:
Nessa terra vivem negros e vivem brancos. Vivem negros que desconhecem outra terra se não essa que é a deles. Vivem brancos que desconhecem outra terra se não essa que é a deles. Todos eles têm raízes nessa terra do desassossego, negros com raízes milenares e brancos com raízes centenárias. A miscigenação é ainda um conceito utópico para os espectadores e um conceito muito pouco desejado para os intervenientes.
O erro? Esse já está feito. E agora faz-se como o Mugabe?
Somos meros espectadores palpitando sobre um filme que está já a meio.
Mais uma crónica... mais uma pérola...
Um abraço
:-)
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